ANDO VIAJANDO... CURITIBA 1994

CURITIBA 1994




26.09.94 - Na verdade, chegamos a Curitiba ontem à noite, cerca de 19h30min. A subida da serra foi tenebrosa – no seu mais agudo sentido – tendo em vista a neblina, a pressa e a indisciplina dos caminhoneiros. No hotel, simples e asseado, tomamos uma ducha e saímos para jantar. Fomos ao JazzBier de propriedade de um paraibano residente no Paraná há alguns anos. Novamente simples e asseado. O mano devorou um filet à qualquer coisa e eu comi um talharim quatro queijos que estava uma delícia. As porções foram muito generosas. Após brevíssima caminhada, fomos dormir. Acordei quando amanheceu e fui para o chuveiro. Um susto: o box abria para uma janela-que-dava-para-um-poço-de-luz-compartilhado. O mano se equilibrou no poço para bater à janela do box. Quase morri... Após o café, ele foi ao trabalho e então pensei: Curitiba me espera!

Às 8h30min já havia comprado os cartões postais em uma tenda de lata muito colorida. Achei os selos na Praça Rui Barbosa, que por muitos anos foi conhecida como Largo da Misericórdia, nome relativo à Santa Casa, inaugurada em 1880 por Dom Pedro II. Um homem tocava acordeon ao lado do chafariz.


Passei pela Rua XV de Novembro, bastante comércio e uma livraria bem organizada oferecia descontos. Comprei um livro sobre a não localidade, ou melhor, o não espaço. É uma vertente francesa, mais para a antropologia do que para a filosofia, e foi assunto deste semestre, na faculdade. Marc Augé parte de um colóquio de 1987, cujos apontamentos resultaram em L’autre et le semblable e redige sobre a contratualidade do espaço público compartilhado, “propondo uma antropologia da supermodernidade que nos introduz ao que talvez seja uma etnologia da solidão”. Vi também biografias, uma de Isadora Duncan (José Olympio) e outra de Beethoven. Achei um Ferrater-Mora de bolso – veja só! – editado no ano passado (1993), tradução para o português. Segui rumo ao Passeio Público, que praça! 


Arborizada e com ilhas e lagos construídos a partir do banhado que dominava a área. Para rir: foi inaugurado duas vezes, uma na pressa de um final de mandato e na outra, com as correções de tal pressa. Não visitei o zoológico. Voltando ao lago, é contido por cimento e o espelho serve de espaço de navegação para grandes e pequenas aves. É um pouco parecido com a Redenção (Porto Alegre). Ah, Redenção, belas caminhadas... No quiosque tipo coca-cola há mesinhas com cadeiras vermelhas e brancas. 


Todo o Passeio é cercado com armação de cimento imitando toras e o acesso se dá por portões que imitam os portões do Cimetière des Chiens et Autres Animaux Domestiques que fica em Asnières-sur-Seine, cidadezinha ao noroeste de Paris. Neste campo-santo animal estão depositados os restos de Rin Tin TinPapillonBarryLeo e Moustache, cães artistas, de guarda e policiais.

Perto do Passeio Público fica o Shopping Muller, já no bairro São Francisco, uma construção que ocupa um quarteirão. As fachadas – uma caixa – são de cor verde velho e o telhado imita tabuinhas. São duas as entradas, uma pela Cândido de Abreu e outra na Mateus Leme. Escadas rolantes, vidros, espelhos, ofertas, liquidações, modas, acessórios... tudo como em qualquer shopping. No subsolo ocupei uma mesa para fazer algumas anotações enquanto tomava um suco de maracujá. Como isso? Nem gosto de maracujá... Escrevi também alguns cartões que, em seguida, postei.

Achei que já era tempo, havia descansado. Segui pela Cândido até o Centro Cívico, onde se concentra o poder de Curitiba e do Paraná, a Prefeitura, o Palácio Iguaçu. Perguntei a um guarda - calças azuis, túnica vermelha, cinto, talabarte e capacete brancos - qual o prédio da Assembleia e ele apontou, com a metralhadora, uma edificação com não mais de quatro andares e, os dois últimos, com sinais de recente incêndio.  Perambulei um pouco por ali, as construções datam de meados a final dos anos 50, com algumas reformas (caixas de cimento envidraçadas). Frente ao Palácio Iguaçu há uma instalação que deve envolver água, mas como há três meses não chove em Curitiba, água é que não vi. Deve dar um efeito bem interessante.

Era passado do meio dia e voltei ao shopping Muller. Na área dos não fumantes, escolhi uma mesa e lá fiz um lanche. Pizza... adivinhe? Hut e um refrigerante. Claro, como toda praça de alimentação de shopping, é muito funcional, colorida com verdes artificiais, cheia, e tudo muito barulhento. Não havia cinema, aliás, coisa marcante em Curitiba é que não passei em frente a um cinema sequer. É possível que eles se concentrem, então, no shopping Battel ou no Itália, ou outro. Após o almoço caminhei ainda um pouco por São Francisco, depois fui em busca do Centro Histórico. 



No caminho, visitei o Colégio Estadual do Paraná, sentei no jardim, tudo muito seco e amarelado. Conversei com uma mulher que colhia flores, era segunda-feira e ela devia arrumar os vasos. Falou que era a maior tristeza esse clima, que as nuvens batiam na serra e não chegavam a Curitiba: -"Mas Deus sabe o que faz!". Queixou-se ainda da seca lembrando que "o feijão já está perdido".


Ao lado do Colégio fica a Casa do Estudante Universitário, cheia de bandeiras do PT nas janelas.  A Fundação Cultural tem uma cinemateca e, por estes dias, está apresentando Z, de Costa-Gravas, em horário incompatível com meu passeio. A Catedral Metropolitana de Curitiba tem a metade da Catedral São Luís (NH) e está em reformas. Muito movimentada, acho que contei cerca de quarenta pessoas entre as sentadas, as rezando, as entrando e as saindo. Um cheiro muito forte de velas e os “clics” dos joelhos daqueles que cometiam a genuflexão respeitosa. Como igreja católica, tinha na via-sacra muitas imagens sob os vitrais.  Frente às imagens, uma calda escorrida de parafina, tamanho o número de velas que ali luziam.


O Centro Histórico tem uma bica – também histórica – que testemunha a passagem do tempo. Fica centrada num círculo cujo piso são paralelepípedos ou pedras regulares calçados concentricamente, numa ladeira. O efeito, seja visto de cima, seja visto de baixo, é lindo.  Há também um aguadouro, imagem forte com as bordas arredondadas, a Fonte da Memória, bebedouro que servia aos cavalos dos tropeiros que subiam a serra. Na subida, está o Relógio de Flores, doação da família de joalheiros M. Rosenmann aos curitibanos. O mecanismo é acionado por quartzo vibrátil (seja lá o que for isso), a manutenção é pública e as flores são trocadas a cada trimestre. Agora são amores-perfeitos azuis e amarelos. O relógio é inclinado. A Igreja do Rosário estava fechada e a seu lado, à direita de quem sobe, há outra igreja, só que está fechada. Subindo ainda, mas para o outro lado, está o Museu de Arte do Paraná, em prédio que divide com a Justiça Eleitoral. O prédio era residência da família Andersen. As peças são enormes, o pé-direito deve ter em torno de 4 metros; as janelas são enormes e as portas deixam passar gigantes. 
Há uma exposição, agora, alusiva a Picasso. 

É uma coletiva elaborada por artistas paranaenses e apenas um mineiro foi convidado a participar. Escolheram uma obra, O minotauroVi expressões bastante originais e, como está na moda, releituras significativas. No acervo, obras de muitos curitibanos e recortes históricos.

O que me impressionou mesmo nesse Museu não foram as obras expostas, mas a edificação. O banheiro que fica no andar de cima foi aberto à visitação de tão precioso que é. As louças brancas – inglesas – contrastam muito bem com os azulejos verde-água. 


Estes azulejos vão até uma altura de dois metros, aí acontece uma faixa desenhada com motivos de banhos e palmeiras em tons ainda de verde somado ao preto. Aí ainda um bom pedaço de parede branca ou em verde claríssimo até o teto. O piso que não parecia ser original: cerâmica vermelha, como a que a tia S. tinha, antigamente, no banheiro do meio.
Mais algumas voltas pelo Centro Histórico e voltei por outros caminhos ao hotel, como marquei com o mano, antes das 16:00h estava lá.

Faltou o Teatro de Arame, faltou andar de ônibus no esquema do “ligeirinho”, faltou rever o Theatro Guaíra, tantas e tantas coisas mais. Mas foi o que deu e acho que, pelo que podia, estou satisfeita.


A descida da serra em direção a Santa Catarina foi mais uma vez tenebrosa. Desta vez ainda era dia, mas a neblina muito mais forte. Não se via a paisagem e em alguns momentos, menos de cinco metros em frente. Há que se ter um pouco de sexto sentido para aproveitar as oportunidades da vida. Em Curitiba não li sequer o jornal. Minto: li a resenha do livro que comprei, algumas placas de trânsito e um pedacinho do Guia 4Rodas. As indicações, pelo menos até agora têm sido boas e sérias. Os mapas têm sido fiéis. O que mais? Muita propagando política nos para-choques dos carros e em outdoors. Nas sinaleiras jovens seguravas faixas e nas esquinas, as garotas do Lerner de vermelho e branco faziam campanha. Parece que não há dúvida de que o arquiteto será governador.

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