ANDO VIAJANDO... CHINA 2007

ANDO VIAJANDO




CHINA 2007


PARTE I

Hoje são dezessete de setembro. A van contratada para nos levar a Porto Alegre só nos desembarcou, não esperou nem o tempo do check-in e, por consequência, evitou as despedidas. Para os que ficaram a sensação deve ter sido a de que algo faltasse. Ficamos na calçada, nós e as malas. Nós? P., T., F. e eu, sem malas. Minhas coisas eram tão poucas que foram colocadas junto aos pertences dos companheiros de viagem.

Em Guarulhos, aguardamos o embarque que nos levará à África do Sul e daí, à China. Esperamos das 16.00h até ás 21.45h. De balcão em balcão, um pouco na sala VIP, algum tempo também fazendo câmbio e resolvendo uma questão de endereço com a administradora do cartão de crédito. Fizemos um lanche rápido, comemos paninis de pasta de tomates, uma delícia. É algo parecido com um pãozinho de queijo recheado e prensado cujas bordas ficam crocantes.

Encontramos um colega de infância de P. que estava indo para a Alemanha buscar um novo horizonte de trabalho. Gente conhecida se encontra em todos os lugares, o que faz com que eu acredite que somos todos pessoas muito comuns nas nossas escolhas, ou, pior, que somos arrastados como todos, iludidos de que fazemos escolhas.

A entrada para a parte internacional do aeroporto sinaliza que já é tempo de as coisas acontecerem. Passaportes e passagens na mão, coração aos pulos. Provinciana, olhos muito abertos e boca muito fechada. Somos embarcados na aeronave quase vazia. Um comissário de bordo inglês ou sul-africano, deseducado, não tolera a reclamação sobre estarem vazando as embalagens da sopa doce e quente servida no special meal.

À noite são fechadas as janelas e só se pode imaginar que o céu tem estrelas. Veja só, estar tão mais perto delas e não as poder ver... Acomodo-me em dois lugares, F. mudou-se e ficou na carreira do centro, esparramada em quatro poltronas.

Chegamos a Johannesburg às três da tarde, hora local. No Brasil, dez da manhã. Durante as manobras de aproximação, vejo os prédios ou edifícios, algumas áreas com edificações concêntricas parecendo condomínios e muitos, muitos, prédios com telhado em chedes, que logo deduzi fossem fábricas. Mas não é verdade mesmo que nossa mente insiste em re-conhecer o que vê? É como se existissem muitas “forminhas” mentais, e quando uma imagem fosse identificada, entraria no quadradinho que lhe fosse apropriado. Isso porque, desde a infância, telhados em chedes, para mim, significaram fábricas de sapatos, e todas as cidades as tinham. Nunca me ocorreu questionar para onde todas as cidades vendiam o que produziam...

 Como a bagagem havia sido despachada até o destino, conferimos o horário do próximo voo e ocupamo-nos logo da higiene possível. As áreas de serviços de aeroportos, acredito, sejam todas iguais, equipamentos semelhantes e usos relativamente semelhantes. Passeamos pela parte comercial e nos certificarmos do horário de embarque. Nada para fazer, vagabundeamos pelas lojas, coloridíssimas.

“Vagabundeamos” é muito. Como meus companheiros fazem esse trajeto semestralmente, há enfado nos sorrisos cansados. É muito diferente o ânimo de quem viaja de férias em comparação com que está retornando ao trabalho longe de casa. Mas onde é a nossa casa?

Fiquei encantada – e, numa primeira viagem, quem não ficaria – com a loja Out of Africa, pela variedade de artigos, roupas, brinquedos e, já nessa oportunidade, escolhi o que levaria para os pequenos (P. e Th.). As pessoas que vi são sorridentes e gentis, mas não me atrevi a balbuciar nada além de um hello quando encarada. Os nativos falam, provavelmente, nos seus dialetos e patuás sejam viajantes ou trabalhadores do aeroporto. As mulheres negras vestem vestidos estampados onde preto, verde, vermelho e amarelo que combinam alegremente. Os homens negros, quando não de terno, vestem president shirts, isto é, túnicas curtas para fora das calças, como Mandela. As mulheres brancas, loiras ou ruivas, de cabelos curtos, dentes grandes, ares preocupados são magras e seus homens, avermelhados, vestem-se como se fossem a um safári. Vi meias cor de leite talhado e lembrei-me do pai. Os poucos orientais que estavam lá vestiam ternos escuros e um ou outro jeans. Estou ficando internacional, pensei.

O embarque fica numa parte térrea, nova, separada do centro de convivência e alimentação por um largo corredor-rampa acarpetado cheirando a cola de tão novo. Esses preparativos têm muito a ver com as Olimpíadas que acontecerão na China em menos de um ano. O saguão é imenso, o piso desenhado com motivos tribais em marrons, com conhaques e pretos bem arranjados. Do alto da escada rolante se vislumbram os portões, as filas de poltronas e lojas um pouco menores - não menos coloridas - atendidas por pessoas sorridentes. Num canto deste saguão enorme há toilletes também recém-inaugurados. Foi quando vi o primeiro banheiro chinês (que na verdade, é o modelo turco). Só vi.

Ao aviso do início do embarque seguiu-se um pouco de tumulto: o calor da rua impacientou as pessoas que aguardavam as manobras dos ônibus sem refrigeração. Em pouco estávamos instalados, mas desta vez, com muito mais passageiros na aeronave. Filmes novos em telas LCD maiores, mais opções de rádio e câmeras instaladas na cauda do avião transmitiam em tempo real. Em outra opção, podia-se acompanhar o progresso do voo, velocidade, temperatura, coisas assim. Sobrevoei Madagáscar! As refeições são servidas, agora, por sul-africanos negros. Menos sorridentes, mas muito pacientes às demandas de passageiros orientais, muçulmanos e ocidentais.

Há vendas no avião. Um catálogo-revista que oferece artigos de tecnologia, jóias e chocolates, entre outras coisas é distrubuído entre os passageiros. As pessoas escolhem e mais tarde, os comissários recolhem os pedidos e antes do final da viagem cobram e entregam as mercadorias que podem ser pacientemente examinadas pelos passageiros.

Na chegada a Hong Kong, ainda na rampa, fomos cheirados por pastores belgas que estavam com dois militares armados de metralhadoras. Seguimos P., e correndo, descemos até o guichê de venda dos tíquetes para o boat que nos levaria ao Shenzhen Fuyong Port, uma das entradas possíveis pelo Pearl River Delta. A funcionária que nos atendeu fez que esperássemos até o último minuto, pois as bagagens demoravam a chegar. Nervosamente, muitas vezes ela telefonava para sabe Deus quem e repetia, com voz estridente, nada que entendêssemos. Enfim, sorriu e nos alcançou os bilhetes a tempo de pegarmos a condução que nos levaria à plataforma de embarque. Lembro muito pouco deste trajeto, apenas que foi longo e contornou muitos prédios cercados com telas e arame farpado, pareciam depósitos e repartições administrativas.


O boat estava quase vazio, e vi brasileiros conhecidos, aqui da região. O trajeto dura 45 minutos e atravessa da ilha para o continente. Cruzamos com grandes cargueiros e barcos menores, alguns pescadores e muitas lanchas da polícia. A viagem foi suave e rápida.


- oo -






Um comentário:

Anônimo disse...

Maravilhosa descrição...viajei tb!Valeu. Parabéns pelo texto, muito gostoso de ler. sda