segunda-feira, 29 de agosto de 2011

As bananas que não pintei



Há emoções que não se entende. Aliás, a maior parte delas nasce num lado pouco visitado da nossa consciência e raramente temos presente o material de que são feitas... Sente-se, e pronto.
Anos atrás, vi-me encantada com algumas bisnagas de cores e alguns pincéis. Talento era o que menos importava: a construção da imagem na tela às vezes era como uma berceuse e outras como uma angústia profunda dada a minha inabilidade.
Mesmo assim, sábado após sábado vestia a blusa índigo manchada, pegava a caixa ferramentas onde guardava meu material e subia duas ou três quadras até a escola.
É comum que se inicie por cópias, assim, repetia a figura de uma aquarela de mar revolto batendo contra pedras e ao meio da figura, rochas maiores dividindo a água do céu. Enquanto remava na minha marina, observava outras produções.
Apreensiva com o não progresso no meu trabalho, passava o chimarrão, fazia o chá e distribuía as xícaras fumegantes enquanto observava o desempenho das colegas e me congratulava com tão especial companhia.
Gente talentosa e dedicada. E como eu, mais para ver o que acontecia, só eu mesma. Enfim! Via as cores serem conduzidas pela superfície que ganhava textura e profundidade, e assim produzirem as impressões que adentravam aos olhos.
Quando R. começou um campo de tulipas, que se perdia da vista e entrava no coração, fiquei impressionada com o modo com que segurava o pincel e como, em ações precisas, tecia cada uma das flores. Habilidade e certeza.
Por aqueles dias, V. pintava Frutas. A percepção é progressivamente revelada: ela está na mente, e quem tem a cor vai tirando o branco da tela e compondo a imagem.
É de tocar com as mãos, escolher, tirar da tela e comer. Embora tenha desejado, essas são as bananas que não pintei.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

15 linhas sobre a culpa


Frente à culpa, podemos negá-la, cair em remorso ou encará-la.
Negamos a culpa quando mergulhamos em condutas inconsequentes, quando preenchemos nossas vidas com comportamentos tóxicos, numa fuga para frente em que a mente superexcitada mascara a realidade ou não se apercebe do mecanismo insano em que se envolve.
Caímos no remorso quando damos conta de nossa situação infeliz e tememos a punição pois estacionamos no “olho por olho, dente por dente”. Por orgulho, acreditamos que a autopunição possa nos redimir.
Encarando a culpa, iniciamos o processo de arrependimento, postura humilde que passa pela conscientização das atitudes e da necessidade de recomeço. Entramos, então, na fase do aperfeiçoamento que nos levará ao desejo e à prática da reparação.
Com o aprendizado do arrependimento e da reparação passamos a encarar as consequências dos nossos erros com responsabilidade: não somos mais “culpados” pelas más escolhas e sim responsáveis pelos resultados. Essa é a postura mais compatível com os tempos que estamos vivendo. Que tal?


quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Como se ganha uma irmã (e um cunhado e uma sobrinha)

Os irmãos e irmãs compartilham, biologicamente, pelo menos um pai ou uma mãe. Há casos em que compartilham os dois. Em outras circunstâncias, escolhemos irmãos e irmãs entre nossos colegas e amigos. Mas há situações em que nossos pais – ou um deles – escolhem irmãos para nós. Vou contar a história de como ganhei a irmã do meu coração...
Numa dada oportunidade, entra para o patrimônio da família um conjunto de pratos de um material sintético e transparente. As tigelas, circulares, lindamente côncavas, são três tamanhos diferentes: a maior, talvez, medindo uns 40 centímetros de diâmetro, a do meio uns 30 e a menor, perto de uns 25. Como uma cabe dentro da outra, ocupam pouco espaço quando guardadas. Por sua singularidade e beleza, eram disputadas por quase todas as mulheres da família. Minha sobrinha mais velha e eu sempre tivemos olhos cobiçosos para elas.
Falo das tigelas antes de falar da irmã por motivos cronológicos: algumas coisas acontecem antes, e outras depois.
Morava no mesmo andar um jovem casal e, certo dia, no elevador, imaginando ser uma boa ocasião, minha mamãe pergunta qual a cor do quarto do bebê que não demorava muito iria nascer. O futuro papai, serenamente, responde:
- Preto.
Não preciso nem dizer que o assunto acabou por ali mesmo. Recolhem-se, a um canto, minha mãe e sua curiosidade interessada em providenciar algum mimo. O elevador alcança o andar, abre-se e todos desembarcam, eram quase vizinhos de porta.
Pouco depois, num chimarrão, a grávida explica que o marido era muito debochado e que aquilo era uma brincadeira. O tempo passa, a amizade fortalece, convites recíprocos de visitas, aniversários e eis que as tigelas são apresentadas a querida amiga... amor à primeira vista: agora somos três a disputar o regalo.
Minha sobrinha considerava que devesse herdar as tigelas, pois que é a neta mais velha e saberia cuidar delas direitinho. A doce vizinha não se arriscava em muitos comentários, mas insistia em saber onde foram compradas, tamanho seu interesse pela beleza e praticidade de tais objetos. Bem, eu deveria, ao menos, ser consultada sobre o destino de tais pratos quando se fizesse a oportunidade de transmitir a herança. Mas, a cada festa, todas as mulheres juntas, voltava-se ao mesmo assunto. Razões e argumentos para cá, desejos e chantagens para lá...
Um dia, num junho há alguns anos passados, mamãe pediu que eu providenciasse um papel para embalar um presente muito especial. Solícita filha, cuidei de trazer um bem colorido, bem ao seu gosto.
E naquele aniversário, ganhei uma irmã. Aquelas tigelas eram o típico presente que só uma mãe de verdade daria para uma filha. E ela as deu para Inês. Resolveu assim o que poderia ser um impasse ou uma fonte de melindre familiar de uma forma generosa, inclusiva e feliz. Desde então, Inês é minha mais amada irmã do coração.

sábado, 6 de agosto de 2011

Decisões nem sempre são para sempre...

… até porque somos transinteligentes: linkamos as nossas muitas inteligências e fazemos novas relações de aprendizado e de comportamento a cada instante. É o que viver nos exige e todos estamos, no mínimo, medianamente aparelhados para tanto.

Quanto mais progredimos maior é a amplitude da nossa percepção. Daí tiramos que o conhecimento que temos é provisório. Os mais longevos que o digam! O que ontem, ao senso comum, parecia uma verdade inderrogável é um dado ultrapassado no hoje e pode ser antiquado em poucos segundos. Basta que o véu se dissipe e que se penetre numa nova das muitas possíveis realidades.

Podemos discutir o que seja esse progredir, se ele prescinde ou não de sucesso. Então discutiríamos o conceito de sucesso. A consequência direta dessa interminável discussão seria uma queda no looping enlouquecido de definir e retomar a conceituação até o impensável redescobrimento da roda. Demais para a singeleza da proposta de abordar as decisões que nem sempre são para sempre.

O reconhecimento da provisoriedade das nossas informações, das circunstâncias em que vivemos e das escolhas que fazemos, informa a progressão e o refinamento da nossa atuação e colaboração no mundo em que vivemos. Podemos hesitar e resistir à ruptura insistindo em respostas que ficam aquém das novas perguntas, mas essa atitude também é provisória. Lembra? Somos transinteligentes...

Fazer o quê? Buscar a saúde da flexibilidade. Assumir, com humildade, a transitoriedade das decisões nas escolhas que podem ser escolhidas. Relativizar os acertos e os erros. Manter a coerência e a lealdade entre o que se pensa, fala e age.

Então, vamos juntos?