Verdades e mentiras
Mentiras e verdades só se relacionam em uma única via, só haverá mentira se houver algo nomeado de verdade para ser ocultado.
A propósito, a verdade é possível? É um largo questionamento que nos leva a imbricados caminhos aos quais ousamos, por ora, renunciar. Assim, assumindo que se pode falar sobre algo que pode ou não existir, ou pode ou não ser possível, tangenciamos o que já se falou sobre a verdade, e vamos abordá-la pelo viés do desejo e do julgamento.
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O desejo é o motor da humanidade. Em si, não é bom nem mau. O desejo de ser bom, compassivo, amoroso, é bom. O desejo de ser mau, egoísta e rancoroso, é mau. Admitindo a redução, constatamos, dessa forma, que o desejo é diferente de seu objeto. E essa diferença deve estar bem clara quando buscamos a verdade, para que ela não expresse, apenas, o nosso desejo.
Na busca da verdade executamos julgamentos que, raras vezes, são diferentes do nosso desejo. Nosso julgamento pressupõe um padrão inicial que confrontamos com o que os sentidos nos noticiam. Esse padrão estabelece uma verdade que, na falta de outra melhor, mais elaborada ou mais verdadeira, serve para espelhar a diferença. Cá entre nós, como humanos, a diferença nem sempre é apreciada... Mas, entre o padrão que criamos e a verdade que opinamos pode haver uma grande distância!
No convívio familiar e social tendemos a utilizar filtros. Há tesouros guardados em nossa intimidade que recusamos compartilhar, há coisas que podem ser ditas e outras são melhores quando não ditas. A decisão de filtrar vai da conveniência. Às vezes a opinião que nos é solicitada é tão contundente que o nosso ouvinte pode se indispor conosco e gerar reação tal que ultrapasse os limites do nosso conforto. Então... mentimos. Mas será mesmo necessário mentir? Pode haver uma maneira amorosa e delicada de dizermos o que precisamos dizer. Pode existir um modo de não evidenciarmos a nossa ansiedade em fazer prevalecer nosso ponto de vista e assim evitamos o atropelamento da autoestima do nosso próximo.
O exame das nossas intenções (desejos) quando formulamos nossos padrões - que são mais saudáveis quando flexíveis - e o exame das nossas intenções quando fazemos nossos julgamentos está na ordem do dia.
Quem sabe figuremos primeiro, legitima e honestamente, o que pretendemos com nosso discurso. Assim, examinar o nosso julgamento e o desejo do resultado da publicação da “nossa” verdade é o que nos diferencia em animais sociáveis ou apenas sociais.