segunda-feira, 25 de março de 2013


FOGÃO DE SEIS BOCAS

 

 

         João Pedro era mecânico e trabalhava bem. Sabia tudo de motores, suas manhas, seus ajustes. Trabalhava numa mecânica de fundo de quintal e não tinha hora para consertar o que aparecesse.

 

         O problema estava nos clientes: não pagavam. Vinham correndo, assustados, pressionando, precisando do carro para ontem pois era o modo de ganhar a vida, de levar os filhos para escola em dias de chuva, de levar a mãe ao médico, de distribuir as encomendas, blá, blá, blá... Geralmente a entrega do carro consertado terminava com um “passo amanhã aí para te pagar” e, muito raramente isso acontecia... quando passavam, deixavam um “sinal” e, depois de muito tempo e de muitas ligações de celular a conta era quitada.

 

         Como ficava cada vez mais apertado, resolveu mudar de vida. De profissão. Como entendia de carros, pensou em usar esse talento na nova ocupação. Seria vendedor de automóveis usados. Primeiro pegaria uns para intermediar ganhando comissão e, com o tempo, compraria e venderia, aumentando o seu lucro em cada transação. Daqui e dali juntou uma graninha, alugou um terreno cercado na BR, fez um telhado para expor os carros “melhores”, bem na frente, dois caminhões de brita e, aproveitando esse mesmo telhado, construiu, tijolos aparentes pintados de branco (tinta plástica), uma salinha e um banheiro. Tudo muito simples, mas ajeitadinho.

 

         Um cunhado tinha uma moto para vender, um vizinho aqui queria trocar o carro, outro comprar um meia-boca para ir para o sítio (uma kombi em bom estado, por exemplo), conhecidos apareceram para ver o que estava exposto e fazer um bom negócio, gente que viu o novo comércio entrou para ver o que tinha... e assim foi indo, devagarzinho mas com chances.

 

         Queria receber bem os clientes e pensou em fazer chimarrão. Havia o problema de como aquecer água e não era tempo de muitos investimentos... um amigo lembrou que a mãe tinha um fogão de seis bocas (seis bocas!) que, sem uso por agora, poderia ser emprestado. João Pedro topou. Pegou a camionete e foi buscá-lo, marrom, empoeirado, com as grades e paredes do forno enferrujadas, parado na garagem, um nojo. Mas como já estava lá, não quis desagradar o amigo, tão gentil em oferecer ajuda. Levou o fogão, aliviando a garagem da mãe do amigo dessa tranqueira.

 

         Faltavam o bujão de gás, a mangueira e a válvula. Deixou o fogão na revenda e saiu de novo, atrás dos complementos. Depois de umas duas horas e de R$ 85 pelo bujão usado, R$ 47 pelos 13 kg de gás, R$ 65 para a mangueira e válvula (novas) estava pronto para instalar o fogão. Uma nota! Tudo por um chimarrão para os clientes...

 
 
      Alguém aí sabe quanto custa um ebulidor? Isso, até João Pedro sabia. Se alguém lhe houvesse indagado sobre como aquecer água sem ter fogão, de pronto ele sugeriria um “rabo quente”. Cinco, seis reais e uma ida a loja do um e noventa e nove.

        

         E aí? Quanto fogões de seis bocas estamos trazendo para nossas vidas?
 
 

2 comentários:

Carlos G. Steigleder disse...

Adorei o texto. Impecavelmente elaborado! Quando eu crescer, quero escrever assim! Parabéns!!!

Anônimo disse...

Excelente! A gente vai elaborando as cenas...o final nos faz pensar! Gostei! Parabéns! sda.